Índice
Introdução 1
Sobre a história do ciclismo 2
Gil Moreira, o ciclista que conta a história do ciclismo português 4
1. A bicicleta – usos que circulam 7
2. As corridas, corpos velozes 11
3. O ciclismo, espectáculo mediático 15
4. O ciclismo, os clubes e os campeões de todas as corridas 19
2.2. Os anos de Alves Barbosa 21
Culturas do ciclismo 23
5. Os rituais do ciclismo: o treino, a massagem, a alimentação 28
O mecânico Araújo 28
6. Ciclismo e identidade local 32
9.4. Marco Chagas e o projecto de equipa 36
O ritual da massagem 44
10.2. A alimentação: do bife ao Isostar 49
10.3. O treino: quilómetros e watts 53
10.4. Corpos no limite da legalidade 58
10.5. Paradoxos e suspeições 63
Introdução
Sobre a história do ciclismo
A história do ciclismo cruza a tecnologia associada à produção de bicicletas com a busca da velocidade nas corridas e o espectáculo por elas propiciado.
Andrew Ritchie dedica uma obra ao debate decorrente da actividade industrial entre 1867 e 1903 na qual analisa o modo mais eficaz de aparelhar a bicicleta às capacidades físicas humanas em prol do aumento da velocidade, endurance, conforto e utilidade. Durante este período a corrida de bicicleta demonstra uma relação simbiótica entre o desporto e o seu instrumento especializado, a bicicleta. Nesta primeira fase o design funcional da bicicleta foi muito influenciado por considerações sobre o desporto e a velocidade bem como pelo conforto e praticabilidade. A obra salienta a natureza ambivalente da bicicleta, quer como instrumento do desporto, lazer e recreação como, meio prático transporte individual; e, segundo, a relação inextrincavel entre a bicicleta do desporto como competição e recreação e a industria moderna emergente e padrões mais amplos de comércio e consumo.
Gil Moreira, o ciclista que conta a história do ciclismo português
Figura 1: Raid Lisboa-Paris-Lisboa, em 1934. Gil Moreira, Carlos César, … recebidos por Alfredo Trindade no Centre d’Entraînement du Vélo Club de Levallois em Paris. Espólio de Carlos Gil Moreira. |
Gil Moreira (1907- 1988) nasce em Rebolaria, aldeia do concelho da Batalha, fica órfão aos dez anos e, por isso, vem para Caxias trabalhar como marçano torna-se ciclista e aprecia as histórias contadas por ciclistas fundadores das vitórias portuguesas nas competições internacionais, como é o caso de Bento Pessoa da Figueira da Foz e contacta com os filhos dos primeiros sportsmen que fomentam a prática em Portugal, como Hadge e … Concorre com Trindade e Nicolau, seus contemporâneos, organiza e participa no raid Lisboa-Paris-Lisboa
Tendo sido solicitado a criar um breve retrato biográfico de meu pai Abílio Gil Moreira, que deveria resultar da minha peculiar leitura, como filho único, da sua pessoa, achei por bem omitir factos anteriores à minha existência, como por exemplo, o de ele ter ido trabalhar como marçano para Caxias onde ficou por 10 anos, na sequência de enquanto na Rebolaria, sua aldeia natal, aos 11 anos, ter perdido sua mãe Hermínia. (…)
Tendo ele conhecido na sua vida desportiva, antes da Guerra Civil Espanhola, no início dos anos 30, as estradas da Estremadura e Andaluzia no país vizinho, fez questão com minha mãe, pelos meus 8 anos, de paralelamente às belezas de Aracena e Córdoba, me mostrar também, em algumas aldeias desertas por onde passara antes, os sinais de devastação ainda patente que a guerra entretanto provocara.
Em 1960 embarcou sozinho até Angola e Moçambique, com o sentido, dentro do possível conseguido, de alargar a sua rede de clientes, e, tendo em mente o reforço de laços, programando e estabelecendo contactos com agremiações desportivas existentes nesses territórios que tivessem departamentos de ciclismo.
Já nos anos 60 permitia que eu conduzisse esporádica e clandestinamente o seu veículo de trabalho (uma arrastadeira Citroën 11cv), nos caminhos de terra do Alentejo, com o qual cheguei a vê-lo cruzar ténues linhas de água para atender a isoladas oficinas de reparação de bicicletas. (…) Quando completei o 1º ciclo do Liceu, deu-me a primeira, única e actual bicicleta, sem nunca forçar qualquer investimento desportivo pela minha parte face ao seu desporto de eleição. Nos meus 18 anos fez de mim um dos novos sócios da empresa que fundara em 1947 [CIBEL], em conjunto com três dos mais antigos colaboradores, mas sem interferir na minha opção pela arquitectura, em favor dessa sua actividade de décadas. (…)
Carlos Gil Moreira
Começa a competir aos 17 anos, em 1924, tendo ainda oportunidade de contactar com José Bento Pessoa, pioneiros do ciclismo português no fim do século XIX, e com o filho de Eduardo Miching, este último um dos impulsionadores da velocipedia em Portugal. O interesse vai para além da participação competitiva e, ao longo da vida, colige os dados essenciais à escrita da História do Ciclismo Português no seu já século de existência e o que tem sido a sua ligação com a velocipedia internacional. Nesta obra, publicada em 1980, Gil Moreira regista factos que viveu como ciclista, entre os quais as corridas disputadas com Nicolau e Trindade que são seus contemporâneos, como jornalista que acompanha grande parte dos eventos de ciclismo nacionais e internacionais, entre os quais o Porto – Lisboa, a Volta a Portugal e o próprio Tour de France em 1946, como director técnico da equipa da Iluminante, um dos primeiros projectos empresariais existentes em Portugal e, ainda, director desportivo da equipa dos Águias de Alpiarça. Apesar da variedade de actividades profissionais ligadas com o ciclismo, é como jornalista que analisa a modalidade escrevendo crónicas para …. e … É, no entanto, em 1964 que publica o ABC do Ciclismo, um ensaio pedagógico de cem páginas que começa por descrever a história da bicicleta e das competições de ciclismo para, mais especificamente, debater questões de táctica e técnica do cicismo bem como os cuidados que um ciclista deve ter com a indumentária, a higiene, a massagem e a alimentação.
Sobre o século XIX, Moreira escreve sobre a invenção da bicicleta, sobre as efemérides e os impulsinadores da velocipedia em Portugal sem deixar de aludir ao conflito de Bento Pessoa com a Federação espanhola que acelera a criação da União Velocipédica de Portugal (UVP) em 1899 e, ainda, sobre as alterações regulamentares que susteem a modalidade. Nas provas de ciclismo de estrada têm maior destaque o Porto – Lisboa que, apesar de ter sido inventada em 1910, só em 1912 a cargo da organização da UVP não é anulada como havia acontecido com as duas edições anteriores (a primeira por falta de inscrições e a segunda por indefinição do itinerário)
para além de empresário da Cibel, casa de bicicletas que na década de 70 chegou a ter 24 empregados e nela se montavam bicicletas por medida.
Depois aconteceu que eu, realmente, não sabia correr o PORTO – LISBOA, com os seus 360 Km. e as suas 8 / 10 horas de duração!… Na verdade, e no meu caso, (quando candidato à vitória), tinha que, individualmente, controlar as competições em que participava, da partida à chegada – tarefa que oscilava entre uma / duas horas e, muitas vezes, quatro / cinco horas. Então o que é que acontecia, quando se tratava do PORTO – LISBOA?
Alves Barbosa
organizou e foi protagonista do raide ciclista Lisboa – Paris – Lisboa, em 1934, fundador do cicloturismo do Rotary Club de Alcobaça, em ….,
Escreveu ainda o ABC do ciclismo, uma obra de pedagogia do ciclismo
A obra de Gil Moreira é a fonte das poucas publicações que existem sobre o ciclismo que são: A História do Ciclismo em Portugal de Miguel Barroso publicada em 2001, a publicação, que como o nome indica, comemora os Cem Anos de Ciclismo editada pela UVP-FPC em 1999 e a História do Sport Lisboa e Benfica em duas rodas: suor, sorrisos e lágrimas. Para além das obras de Gil Moreira, destaco como referência fundamental para entender o ciclismo em Portugal A História de Ciclismo de Alpiarça de Marques Pais publicada em 2002, uma narrativa fundamentada e referenciada sobre a génese e história do clube na qual contempla os anos de charneira relativos à transformação das equipas de ciclismo em projectos empresariais com a descrição da ligação da cerveja Clok à equipa do Águias. Ainda sobre o ciclismo no Alentejo (Gago, 2002) e sobre a história do clube de Tavira (Bispo, 2004).