Partir de Faro pela N2

Esta etapa teve um gosto especial por se realizar pela estrada N2, a maior estrada portuguesa, com 738,5 km, que liga Faro a Chaves. Nos muitos blogues sobre a viagem de carro, de mota e de bicicleta pela N2 é carinhosamente tratada como a Route 66 cá do burgo.

Uma estrada como a N2 também tem os seus mistérios e, tal como os da ilha do Pico, neles e por eles se transportam ideais, sonhos e fantasias. A poética com que é narrada nos blogues existentes ultrapassa em muito a ontologia da infraestrutura, ser uma mera ligação entre Chaves e Faro. A N2 é descrita como sendo a espinha dorsal de Portugal. De objecto passa a sujeito e, pela sua anatomia, é quem dá sustentação vertical ao corpo social do território nacional.

À saída de Faro

Há toda uma estética e um desejo vertidos da experiência vivida nas curvas e contracurvas das veredas da serra do Caldeirão que, de certo mas não por si só, explicam a necessidade política da elevação do troço que liga Almodôvar a São Brás de Alportel a Estrada Património em 2003.

Assim classificado, a funcionalidade do troço passou a incorporar a poética do “como se isso mudasse alguma coisa”: como se deixasse de ser desagradável a estrada sem berma e de elevado tráfego desde Faro até ao começo desse troço, como se os edifícios da JAE abandonados passassem a ser centros de apoio a quem ali se desloca para usufruir desta benesse, como se houvesse no local – Faro nomeadamente – algum vislumbre dessa informação.

É incrível não termos dado conta desta singularidade. É interessante ver como basta este mero exemplo para mostrar como o Estado, por vezes, consegue estar presente – a categorizar – e, ao mesmo tempo, ausente – tratando com igual alheamento o que classificou de singular e inaudito!

Passando da poética criada à estética vivida, à experiência corporal sentida: na subida da serra, sob o calor intenso de meados de junho, a vegetação deixa de ser alvo de contemplação e a sombra que oferece passa a ser encarada como um bem de primeira necessidade. O ziguezague das descidas a pique também não deixam margem para quebras de atenção pois depressa se ultrapassam os 50km/h.

É o miradouro, no ponto mais alto da serra, que nos retira da alienação em que muitas vezes se transforma o pedalar sob o sol ardente e nos obriga a olhar em redor, a dar conta da beleza da vastidão que se vislumbra, da paisagem que obviamente nos deslumbra. A estrada que nos leva até ao cimo da serra e dali nos tira é aos nossos olhos, feliz e paradoxalmente, praticamente invisível, o que significa que não levantou problemas, que tem bom piso e que é relativamente segura.

Alto da Serra do Caldeirão

O valor da N2 é, como quase tudo atualmente, produzido virtualmente nas redes sociais, são os textos e as imagens que fomentam o imaginário do percurso, uma captura que apenas traduz o lado mais poético da viagem. De fora fica a incorporação estética do esforço, da extenuação do corpo desidratado e, no oposto do sacrifício, a dimensão festiva das refeições opíparas, no Tia Bia em Barranco do Velho e na Taberna A Pipa de Beja. É nestes lugares que se deglutem iguarias bem regadas e, pela euforia gerada, até os momentos mal passados se transformam em glórias vividas.

SERVIÇOS DE APOIO EXISTENTES

‣ Alojamentos e Restaurantes onde nos guardam a bicicleta – SIM

‣ Interligação com os transportes públicos (comboio e autocarro) – SIM

‣ Locais de informações específicas sobre rotas – NÃO

‣ Aluguer de bicicletas – EUROPCAR

‣ Oficinas de bicicletas – SIM

KOMOOT

Mapa e perfil da etapa recolhidos através da Aplicação que utilizámos para planear todas as etapas.