A velocidade rima com a cidade
Velocipedia
No fim do século XIX, o ciclismo é uma prática de distinção social, uma tecnologia simples que permite acelerar a velocidade e liberta do uso do cavalo. Jovens aristocratas e burgueses, não importa o género, usam a bicycleta para fins díspares como o excursionismo, as corridas e os passeios nas avenidas.
São estes representantes de classes sociais abastadas, os primeiros campeões das pistas dos hipódromos, que promovem os primeiros clubes velocipédicos, associações bem como a própria entidade federativa.
Em 14 de Dezembro de 1899 é criada a União Velocipédica de Portugal (UVP) na sede do jornal Tiro Civil e, em 1901, é legitimada pela União Ciclista Internacional (UCI). A UVP é presidida pelo conde de Caria e tem como secretário geral Carlos Callixto e ambos, seis anos depois, criam também o Real Club Automóvel de Portugal.
Este clube segue os mesmos propósitos que a UVP só que para os passeios e corridas de automóvel. A diferença entre estas corridas é que a bicicleta, para primor do espetáculo, é dada a quem tem mais força enquanto que nos automóveis basta perícia e poder económico.
Velocidades na subida à Glória
A velha velocidade, a dos ciclistas, constrói-se através da melhoria das estruturas e do aperfeiçoamento da bicicleta mas, apesar de tudo, debate-se com a negação da natureza dos limites do próprio corpo. Em 2013, temos ciclistas treinados que vencem os tempos realizados em 1926, mulheres que apesar de treinadas que não ultrapassam o recorde de 1926. A objectividade destes tempos, rigorosamente cronometrados, ajuda a naturalizar hierarquias sociais.
Existem meia dúzia de fotos e de notícias sobre as primeiras corridas da Glória; esta escassez não impediu estas imagem de sobreviver ao tempo longo constituindo a sua raridade um factor importante no processo de patrimonialização realizado e celebrado na Subida à Glória de 2013.
Em 2013, a velocidade da circulação da notícia da Subida à Glória aumentou e diversificou os meios da sua profusão evidenciando o poder de colocar em várias partes do mundo imagens da corrida na calçada durante a sua realização. A velocidade com que se faz toda esta profusão é um indicador de poder das tecnologias de comunicação.
Subir à Glória: os territórios da disputa
A corrida da Glória de 2013 gerou um espaço expressivo que, ao mesmo tempo, é um produto cultural desestabilizador de identidades e significados: porque o território da corrida promoveu tanto campeões vedetas do ciclismo como também o cidadão comum; porque no território do evento se juntou à corrida a animação festiva da música do DJ mais uns bares onde se saborearam licores nacionais; porque no território amplo da calçada se juntou um publico misto, com adeptos do ciclismo, apreciadores de corridas e, ainda, transeuntes que à 6ª feira frequentam o Bairro Alto e pararam para assistir ao inusitado; porque no território mediático a velocidade da notícia surpreendeu até aqueles que estão presentes na corrida e, por exemplo, de através dos seus telemóveis acedem a notícias imediatas sobre o que ali se está a passar.
Sobre o território da corrida, obviamente a Carris e a CML têm poder sobre a calçada do mesmo modo que a Federação tem poder absoluto sobre a competição ciclista. O poder incontestável da UVP-FPC assenta, sobretudo, no apoio dado pela UCI que, ao longo do tempo, tem sido cobrado com decisões como a de acabar com a clássica corrida Porto-Lisboa por ser considerada muito longa (leia-se mais longa que o Paris-Roubaix).
A novidade da proposta de 2013 foi abrir a inscrição na corrida a todos os que nela quiseram participar, retirando a exclusividade aos profissionais. Esta quebra de fronteiras, construídas ao longo do tempo pela própria Federação, propiciou nos media uma certa desvalorização dos resultados desportivos uma vez que as notícias evidenciaram a participação dos paralímpicos e de pessoas que subiram a rampa em bicicletas dobráveis, gerando um efeito chamado “culturalização da economia” do evento.
Os tempos do Porto-Lisboa
Das provas de ligação entre cidades, a de maior sucesso foi a clássica Porto – Lisboa, cuja primeira edição data de 1911 porque em 1910 não se conseguiu arranjar ciclistas em número suficiente para a realizar.
O primeiro vencedor do Porto-Lisboa é Charles George que demora cerca de 18h, João Francisco vence a prova por três vezes (1927,1928,1933), feito repetido, logo a seguir, por José Maria Nicolau (1932, 1934 e 35) e, décadas mais tarde, Fernando Mendes (1971,72 e 73). Em 1959, Carlos Carvalho realiza a prova em praticamente metade do tempo do primeiro vencedor graças a algumas melhorias da estrada e também da própria bicicleta que, entretanto, reduziu muito o seu peso e tem já um quadro de mudanças que aliviam o esforço.
A partir dos anos 70, com a melhoria da estrada as principais dificuldades que geravam incerteza na vitória suavizaram e a prova acabou em 2004 por a sua extensão ser incompatível com os novos regulamentos da União Ciclista Internacional.
A Volta e os modelos de mobilidade
A propósito da Volta a Portugal, a imprensa cria um espaço de reflexão sobre o país narrando uma corrida de bicicletas na relação com o território, apresentando versões nacionalizadas da cultura do povo e, ao mesmo tempo, divulga novos modos de acelerar a mobilidade e de contactar com os que lhe estão distantes.
Nas primeiras décadas, divulga dois modelos de mobilidade, bicicletas para os pobres e automóveis para os ricos; atualmente o evento acentua a ideia de que a bicicleta é para fazer desporto e competir e o automóvel para a deslocação de todos. A grande corrida de bicicletas é um enorme corso de automóveis que, talvez por isso mesmo, sempre teve o patrocínio de marcas de automóvel, nos primeiros anos foi a Austin e nestes últimos a Skoda e depois a Kia.
Oceana Zarco veste-se “à ciclista”
Oceana Zarco participa não só na Volta a Lisboa como também vence a Volta ao Porto e a Volta a Setúbal. Na década de vinte há vários registos de mulheres no cicloturismo mas Oceana corre com equipamento parecido ao dos homens, algo que a distingue das poucas mulheres contra quem disputa estas competições. Desde o início do século que nos jornais se discute qual a relação que a mulher deve ter com a bicicleta, nomeadamente sobre o tipo de vestuário em que a ciclista é sempre comparada e mesmo aconselhada a vestir como as amazonas. Vestir “à ciclista” é no caso de Oceana uma forma de emancipação, ou seja, escolhe o conforto em vez de seguir a convenção.
A actualidade da Parada ciclista
Nos primeiros anos, antes da I Guerra, a cidade de Lisboa é animada, ao nível político, pela queda da Monarquia e início da República em 1910 e é na rua que uma parada de cerca de 1000 ciclistas, em plena Praça do Comércio, lhe dá apoio. No seio da UVP a parada divide os dirigentes o conde Caria demite-se da Direcção.
A organização da parada é sobretudo uma forma de apelo à revisão das taxas alfandegárias até aí aplicadas à importação de bicicletas. Países com a Dinamarca e a Holanda praticavam taxas de 5% contra os 27 % cobrados em Portugal. Os deputados da Nação, sensíveis a este problema, reduzem os encargos e a referência da cobrança passa a ser o peso da bicicleta o que baixa o imposto para valores próximos dos restantes países europeus.
Países como a Dinamarca e a Holanda continuam a ser referência para as grandes questões ligadas com a mobilidade e a qualidade de vida nas cidades. São as bicicletas a grande marca de identidade destas cidades.
Alleycat – a toda a velocidade entre os carros
Nos primeiros anos, antes da I Guerra, a cidade de Lisboa é animada, ao nível político, pela queda da Monarquia e início da República em 1910 e é na rua que uma parada de cerca de 1000 ciclistas, em plena Praça do Comércio, lhe dá apoio. No seio da UVP a parada divide os dirigentes o conde Caria demite-se da Direcção.
A organização da parada é sobretudo uma forma de apelo à revisão das taxas alfandegárias até aí aplicadas à importação de bicicletas. Países com a Dinamarca e a Holanda praticavam taxas de 5% contra os 27 % cobrados em Portugal. Os deputados da Nação, sensíveis a este problema, reduzem os encargos e a referência da cobrança passa a ser o peso da bicicleta o que baixa o imposto para valores próximos dos restantes países europeus.
Países como a Dinamarca e a Holanda continuam a ser referência para as grandes questões ligadas com a mobilidade e a qualidade de vida nas cidades. São as bicicletas a grande marca de identidade destas cidades.
Strava – a competição quotidiana
As corridas de Alleycat juntam utilizadores de bicicleta vestidos com a roupa de dia a dia prontos para competirem entre si no espaço da cidade com o seu tráfego habitual, ou seja, não há um corte de tráfego como acontece nos eventos organizados pela UVP-FPC ou mesmo nos eventos organizados pela FPCUB. Em qualquer destes últimos casos durante o evento faz-se um parênteses no espaço público e o tráfego para deixar passar os corredores e/ou os participantes em qualquer dos eventos. No dia a dia, tanto para todos os ciclistas (quer aqueles que treinam quer aqueles que usam a bicicleta para o trabalho) apontam e também temem o excesso de velocidade automóvel, apontado como um dos problemas à falta de segurança no espaço da cidade e, na medida contrária, a bicicleta é apontada como a tecnologia de desaceleração do ritmo de vida e aumento do espaço de relação.
Chamar ciclistas aos participantes de Alleycat é um risco, quando não um ultraje, porque é através do vestuário que afirmam a sua própria singularidade enquanto utilizadores de bicicleta e “não desportistas”. No entanto, verifica-se que o desafio e a competição desportiva não só acontece nas corridas Alleycat, eventos por si organizados, como pauta o quotidiano de vida de parte dos seus participantes com a cronometragem de segmentos dos seus percursos através da app. Strava, com a partilha e comparação de resultados bem como com a ordenação dos resultados obtidos numa lista classificativa em tudo parecida à dos atletas de alta competição.