Gil Moreira escreve a primeira história do ciclismo português

Imagens do espólio de Carlos Gil Moreira:

Raid Lisboa-Paris-Lisboa, em 1934. Gil Moreira, César Luis, Carlos Domingos Leal (motard de apoio ao raid não identificado) recebidos por Alfredo Trindade no Centre d’Entraînement du Vélo Club de Levallois em Paris. Espólio de Carlos Gil Moreira. 
Com Ribeiro da Silva (Anos 50)
Leal, José Maria Nicolau e Gil Moreira  (Anos 30)
Cicloturistas: Gil Moreira e sua mulher à direita. (Anos 30)
Gil Moreira entrevista Alves Barbosa (Anos 50)
Passaporte de Gil Moreira.
Missão Especial “participar no raid ciclista de homenagem aos mortos portugueses na Grande
Guerra”. 1934
Júlia Moreira (mulher de Gil Moreira) com Casimiro Vinagre (Anos 30)

No ciclismo foi corredor, director técnico da equipa da Iluminante, um dos primeiros projectos de equipa empresarial existentes em Portugal, director desportivo do Águias de Alpiarça (1958) (Pais, 2002: 218), jornalista que acompanha os eventos de ciclismo, entre eles a Volta a França (1946), fundador da SIBAL (1947) – Sociedade Importadora de Bicicletas Alcobaça, escreveu em 1964 o ABC do Ciclismo, um ensaio pedagógico de técnica e táctica de ciclismo e, como epílogo de história de vida, a obra de referência chamada A Históriado Ciclismo Português. Uma das principais fontes literárias de Gil Moreira é a obra de Baudry Saunier (1892) intitulada Le Cyclisme théorique e pratique, da qual recorta ilustrações quando delas necessita para os seus próprios escritos. 

Abílio Gil Moreira (1907- 1988) nasce em Rebolaria, aldeia do concelho da Batalha, fica órfão aos onze anos e, por isso, vem para Caxias trabalhar como marçano. Passear de bicicleta começa por ser a primeira atracção para, aos 17 anos, influenciado pelos feitos do ciclismo nas subidas da Calçada da Glória e na corrida Porto-Lisboa, se tornar ciclista. É contemporâneo de José Maria Nicolau e de Alfredo Trindade com os quais disputa várias corridas e ao mesmo tempo, nos vários eventos, convive com pioneiros das vitórias portuguesas nas primeiras corridas internacionais, como é o caso de José Bento Pessoa que em 1897 obtivera o recorde do mundo da volta à pista (500m). O seu interesse pelo ciclismo não se reduz às corridas e investe na leitura da imprensa especializada que apresenta os primeiros corredores e seus feitos nos principais eventos do fim do século XIX. E são as narrativas publicadas em A Bicicleta, no Tiro Civil e no Sport Nacional que o incentivam a contactar com familiares e ciclistas desse tempo que, prontos para darem o seu testemunho, lhe oferecem outras histórias que ele próprio colige e que anos mais tarde servirão também para ilustrar as suas próprias crónicas no Mundo Desportivo, no Diário de Notícias e no semanário O Debate. 

Gil Moreira, o ciclista, empresário e escritor, é  também o aventureiro que em 1934 organiza e participa no raid ciclista Lisboa-Paris-Lisboa e, ainda, o homem que envolve os amigos e a sua mulher nos passeios de cicloturismo. Casimiro Vinagre é um dos amigos que participa nesses passeios, bem como a sua mulher, e é dele a autoria de grande parte das fotografias que compõem o espólio agora guardado por Carlos Gil Moreira que sobre o seu pai lembra o seguinte:  

(…) Tendo ele conhecido na sua vida desportiva, antes da Guerra Civil Espanhola, no início dos anos 30, as estradas da Estremadura e Andaluzia no país vizinho, fez questão com minha mãe, pelos meus 8 anos, de paralelamente às belezas de Aracena e Córdoba, me mostrar também, em algumas aldeias desertas por onde passara antes, os sinais de devastação ainda patente que a guerra entretanto provocara.

Em 1960 embarcou sozinho até Angola e Moçambique, com o sentido, dentro do possível conseguido, de alargar a sua rede de clientes e, tendo em mente o reforço de laços, programando e estabelecendo contactos com agremiações desportivas existentes nesses territórios que tivessem departamentos de ciclismo.

Já nos anos 60 permitia que eu conduzisse esporádica e clandestinamente o seu veículo de trabalho (uma arrastadeira Citroën 11cv), nos caminhos de terra do Alentejo, com o qual cheguei a vê-lo cruzar ténues linhas de água para atender a isoladas oficinas de reparação de bicicletas. (…) Quando completei o 1º ciclo do Liceu, deu-me a primeira, única e actual bicicleta, sem nunca forçar qualquer investimento desportivo pela minha parte face ao seu desporto de eleição. Nos meus 18 anos fez de mim um dos novos sócios da empresa que fundara em 1947 [CIBEL], em conjunto com três dos mais antigos colaboradores, mas sem interferir na minha opção pela arquitectura, em favor dessa sua actividade de décadas. (…)

Carlos Gil Moreira (filho de Gil Moreira, entrevista realizada em Alcobaça em Abril de 2010)

A obra de Gil Moreira é a principal fonte das poucas publicações que existem sobre o ciclismo que são: A História do Ciclismo em Portugal de Miguel Barroso (2001), uma resenha que data os principais marcos do ciclismo e é ilustrada por um conjunto inédito de fotografias; a publicação, que como o nome indica, comemora os Cem Anos de Ciclismo editada pela UVP-FPC em 1999 e a História do Sport Lisboa e Benfica em duas rodas: suor, sorrisos e lágrimas. Para entender o ciclismo em Portugal é importante ler A História de Ciclismo de Alpiarça de Marques Pais (2002), uma narrativa fundamentada e referenciada sobre a génese e história do clube na qual contempla os anos de charneira relativos à transformação das equipas de ciclismo em projectos empresariais com a descrição da ligação da equipa do Águias à cerveja Clok. Ainda sobre a história de clubes há também a obra de  Bispo (2004) sobre o Clube de Ciclismo de Tavira que, criado em 1979, tem uma das equipas mais antigas do actual plantel nacional. Ao nível regional, sobre a história do ciclismo no Alentejo, o livro de Gago (2002). De referir, ainda, estudos académicos como o de Costa (1999), sobre o aparecimento da velocipedia em Portugal na transição do século XIX para o século XX, e o estudo sociológico sobre as narrativas, territórios e identidades da Volta a Portugal em Bicicleta que acabei em 2009.