
O Caminho de Santiago à beira-mar, percorrido de bicicleta entre Vila Nova de Cerveira e Baiona, combina natureza, história e espiritualidade. Inserido no Caminho da Costa, este percurso oferece uma experiência enriquecedora, com paisagens deslumbrantes e o Oceano Atlântico sempre como pano de fundo. A viagem até Vila Nova de Cerveira foi feita de automóvel, com as duas bicicletas elétricas transportadas num suporte da marca Thule, fixado na bola de reboque. O Hotel Minho Belo revelou-se uma excelente opção para pernoitar, disponibilizando estacionamento seguro para deixar o automóvel.
Em alternativa, é possível viajar de comboio até Caminha e, a partir daí, atravessar para Espanha de barco. Inicialmente, essa era a nossa intenção, mas os horários disponíveis (8h e 15h) não se ajustavam ao nosso plano. Para a rota de bicicleta elétrica, utilizámos a aplicação Komoot, que desenhou um trajeto seguro, evitando estradas com maior trânsito até ao ponto onde o Caminho da Costa já se encontra devidamente sinalizado: A Pasaxe.
1ª Etapa: Vila Nova da Cerveira – Baiona





Ao encontrar a placa do EuroVelo, o caminho desenrola-se de forma sinuosa, maioritariamente em terra batida, sempre junto ao mar. A rota é intuitiva, de fácil navegação e prazerosa de pedalar, com a brisa atlântica a acompanhar cada movimento.
A aventura teve lugar na última semana de dezembro, um desafio tão frio quanto inspirador. Foram três etapas inesquecíveis até Santiago: a primeira até Baiona, a segunda até Pontevedra e, finalmente, a chegada triunfal a Santiago de Compostela. Cada quilómetro pedalado trouxe uma nova paisagem, um novo fôlego e a satisfação de seguir um caminho repleto de história e significado.

Chegados à Praia de Area Grande, de bicicleta, há que fazer um pequeno desvio do Caminho – que insiste em seguir à beira-mar pelas pedras, num convite nada subtil a testar a resistência dos pneus (e da paciência). Assim, subimos a Rúa Baixada à Praia até ao miradouro das Lourenzas, seguindo a sinalização do EuroVelo 1.
A partir daqui, a pedalada ganha nova vida: uma longa reta por ciclovia segregada permite finalmente aumentar o ritmo, desfrutar do vento no rosto e, quem sabe, fingir por uns momentos que somos ciclistas de alto nível. Mas o embalo dura pouco. Logo reencontramos a familiar seta do Caminho, que nos devolve à realidade de um trilho de terra mais sinuoso, como muitos peregrinos a pé – na sua maioria jovens solitários, imersos em reflexões profundas.
A simpatia é o tom dominante destes encontros fugazes: um breve aceno, um “buen camino” trocado no ar e seguimos, cada um à sua velocidade, unidos por este curioso compasso de viagem onde pedalamos e caminhamos juntos, mas em ritmos distintos.

O caminho até Baiona desenha-se entre o azul do mar e o verde dos montes que se sucedem sem pressa, um cenário que distrai tanto quanto encanta. Para quem, como eu, guia a bicicleta com uma mão e fotografa com a outra, cada curva é um convite a parar – ou, pelo menos, a tentar equilibrar arte e movimento. O Atlântico brilha à esquerda, os trilhos serpenteiam à direita, e eu sigo, ora ciclista, ora fotógrafa, numa viagem que se faz tanto de rota como de registos. Afinal, pedalar é também um exercício de malabarismo: equilibrar-se, enquadrar a foto e fazer figas para que a gravidade colabore.
Em Baiona, logo à saída, o hotel do inglês – um nome que promete chá às cinco, mas felizmente serve um pequeno-almoço à altura de quem pedala. O Hotel Arce é gerido por um britânico que parece saído de um episódio dos Monty Python, com um humor seco e observações certeiras que fazem do check-in uma experiência quase teatral. A eficiência está lá, sem floreados nem sorrisos forçados, mas com aquele sarcasmo britânico que transforma um simples pedido de café num teste implícito à tua capacidade de resposta. No fim, entre piadas subtis e um quarto impecável, ficas com a sensação de que, sem querer, participaste num esboço de comédia muito bem ensaiado.
2ª Etapa: Baiona – Vigo – Redondela – Pontevedra



De Baiona a Vigo, o cenário torna-se mais urbano e, com isso, mais fácil de nos perdermos – tanto das setas do Camino como das marcas do EuroVelo 1. A única salvação? Ter o trajeto desenhado numa aplicação como o Komoot. Mas, por vezes, a salvação chega tarde demais: entre seguir a intuição para manter o ritmo e errar o caminho por teimosia, a perdição é quase garantida.
O percurso revelou-se uma pequena saga, coroada com chuva e uma travessia pela avenida mais concorrida das iluminações de Natal – que, de dia, tem mais gente e menos encanto. O verdadeiro desafio, porém, foi encontrar o início da nova ecopista, construída sobre um antigo ramal ferroviário e estrategicamente escondida… no topo de um centro comercial.
Depois de finalmente entrar no ritmo, veio a desilusão: a pista termina abruptamente no meio do nada, deixando-nos à mercê de uma subida íngreme, daquelas que fazem questionar todas as decisões da vida. Como se não bastasse, uns ingleses em descida divertida decidiram assistir ao espetáculo, antecipando com evidente deleite o momento em que um de nós desfalecesse e caísse redondo.
Quando, enfim, reencontrámos a seta do Caminho, foi quase um ato de redenção. Parámos, respirámos fundo e deixámos a pulsação regressar a níveis civilizados. Afinal, até as peregrinações precisam de um intervalo.



Até Redondela, o caminho transforma-se num autêntico postal rural, com paisagens mais verdes e uma tranquilidade que contrasta com o caos urbano anterior. As subidas moderadas aquecem as pernas, mas a recompensa é generosa: vistas arrebatadoras sobre a Ria de Vigo, perfeitas para aquele momento de contemplação – ou para uma foto que faz parecer que a subida foi fácil.
A chegada a Redondela tem um certo simbolismo: é aqui que o Caminho da Costa abraça o Caminho Português Central, num reencontro de peregrinos e histórias. A vila, com o seu charme discreto, convida a uma pausa estratégica – seja para recuperar forças com um chocolate quente e churros ou simplesmente para fingir que a paragem foi por apreciação cultural, e não pelo cansaço acumulado.






A seguir a Pontesampaio é que começa a verdadeira aventura. Seguir o EuroVelo 1 torna-se um exercício de fé, já que, a certa altura, os sinais parecem evaporar-se. O Komoot, sempre criativo, desenha um troço que serpenteia paralelo à autoestrada, onde por momentos a sensação é: “é desta que nos vamos atascar”. Mas, entre atalhos duvidosos, estradões sem fim e aquela ligeira desconfiança de estarmos apenas a pedalar para longe de tudo, o caminho acaba por dar certo – e, duas horas depois, eis-nos finalmente à entrada de Pontevedra, meio incrédulos, a perguntar-nos como é que conseguimos lá chegar.



Os jantares, sempre opíparos e bem regados, seguem a lógica do cicloturismo gourmet: gastam-se calorias de dia, repõem-se com juros à noite. Afinal, ninguém pedala só a pão e água, venha daí um Alvariño e uma mariscada que o caminho é longo, mas a gula não tem quilometragem.
3ª Etapa: Pontevedra – Padron – Caldas de Reis – Santiago
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