De Portimão a Faro guiados pelo fio de Ariadna
Atravessando o Algarve damos conta da velocidade com que os filamentos urbanos marinham pelas arribas, se estendem costa adiante, ao longo das estradas, em volta dos rios e dos sapais. Mas, bem lá pelo meio de todo este enguiço pujante, há um caminho bem marcado por um risco azul ao qual não se deve perder o rasto. Tal como o fio de Ariadna, é este traço azul, já muito desbotado e carente de reanimo que não nos deixa perder no interior labiríntico dos casarios e dos condomínios.
O traço é uma linha e, quando não, procura-se uma bicicleta branca estampada no chão ou um pilarete na berma do estradão. É este o desafio oferecido pela ecovia do litoral algarvio: descobrir os sinais de uma via bem concebida que, só mesmo de bicicleta, nos conduz ao longo dos 90 km por um percurso em constante metamorfose. Seguimos entre veredas, que são atalhos que nos tiram das estradas, para passar por caminhos que desembocam em passadiços que atravessam esteiros que julgávamos perdidos.
À saída de Portimão, passada a ponte, logo na rotunda em frente e seguindo sempre as estampas da bicicleta branca, vai de curva e contracurva, desembocar num varadim que nos coloca diante da baía de Ferragudo, um azul mesclado pelo colorido dos barcos, muito quieto debaixo de um céu em tons de chumbo. É uma visão que surpreende e, por instantes, nos devolve a paz perdida pelo buliço da partida.
A rua empedrada que atravessa Ferragudo, com o canal ao meio, é bonita pelo contraste resultante de uma vitalidade empreendedora de renovada iniciativa moral. A casa das panelas com flores, em vez de vasos, é paredes meias com outra muito parecida que anuncia o Night Club Lunatic através de um placar sugestivo com uma mulher agarrada a um varão tendo ao lado um menu que promete uma noitada animada com table dance, private dance, touch dance and more… A indefinição do more é compensada pelo rigor do horário open from 10:00 pm, closed at 6:00 am. O autor do cartaz tem em mente que o publico a quem o menu se destina gosta de movimento mas, sobretudo, estima o planeamento.
Entre Ferragudo e Lagoa
A rua acaba numa estrada que, na curva, tem a placa da ecovia, do tempo em que foi criada (2007), ainda hoje este tipo de marcação é pioneiro e inovador. O mapa colorido agora escondido pelo encaracolar da tela descolada requer atenção para que não se perca este trilho e nem este tipo de turismo. É bom saber que o estradão de terra por onde seguimos é o caminho. Atravessamos agora grandes áreas de verde green dedicadas ao golfe. Na rotunda, da estrada secundária que seguimos, tem uma seta para Vale d’Oliveiras que está em sales, à venda como dizem os portugueses. As oliveiras estão lá, é um facto, o vale já não é o que era mas também ninguém esperava o contrário.
A entrada em Lagoa faz-se por uma daquelas passagens aéreas em Z que testam a habilidade de cada um a fazer curvas apertadas. Pelas ruas fora, aqui sim, a linha azul dá jeito, é ela que nos salva de nos perdermos nos bairros em tudo igual a outros que conhecemos, sejam eles em Queluz, Oeiras ou no Barreiro. Aqui vive muita gente, as ruas são um buliço seguro, um pequeno caos onde todos se misturam: peões, ciclistas e motoristas.
Armação de Pêra
Depois desta urbanidade que, entretanto, nos afastou do sossego asseado das traseiras dos resorts eis-nos metidos num caminho, do qual se miram ao longe novos aparthotel, que atravessa um terreno florido deixado de pousio. É admirável como se passa rapidamente de um progresso urbanístico para uma ruralidade que parece ter parado no tempo, um litoral algarvio de antigamente, com veredas frondosas a delimitar terrenos com hortas e carreiros em cascalho. As casas mal se vêem por entre laranjeiras vetustas das quais tirámos as laranjas sumarentas com que matámos a sede.
Vale de Lobos – Quinta do Lago
Nestes 90km descobrimos como parte do litoral do Algarve privou, ler fechou, parte do seu território ao algarvio. Nos campos de golfe ainda se dá pela vida, há gente que se move a deslizar os seus carrinhos, mas na Quinta do Lago e em Vale de Lobos o cair da noite deve ser um susto porque até de dia o labirinto dos condomínios, sem vivalma, desanima. É o único sítio onde a via não está marcada – a obra não deu valor a este pormenor. Há uma ciclovia toda bonitinha mas que depressa acaba e não há sinais de como chegar ao caminho que atravessa os esteiros.
Descobrimos, através do google, que a Av. André Jordan é o fio que nos conduz à saída deste labirinto, à Rua do Douro que depois de cruzar com a Rua Alva, uns 200 metros adiante, tem um caminho de terra que desemboca no carreiro e que, esse sim, atravessa o esteiro Maria Novo e o esteiro Baião até à estrada a oeste do aeroporto.
O último caminho deste percurso já foi feito ao pôr do sol, quando os raios se desfazem no espelho de água e, desta, resplandece um colorido que acalenta a alma e nos dá por merecido o esforço tido. Não há bela sem senão, e toda a poética estremece de modo cadente como o levantar de cada avião. O som deixa-nos quedos, entalados entre duas magias do mundo de natureza diferente!
SERVIÇOS DE APOIO EXISTENTES
‣ Alojamentos e Restaurantes onde nos guardam a bicicleta – SIM
‣ Interligação com os transportes públicos (comboio e autocarro) – SIM
‣ Locais de informações específicas sobre rotas – NÃO
‣ Aluguer de bicicletas – EUROPCAR
‣ Oficinas de bicicletas – SIM
KOMOOT
Mapa e perfil da etapa recolhidos através da Aplicação que utilizámos para planear todas as etapas.